Açúcar vs Sal – Qual o vilão nesta história do coração?

O sal tem vindo ao longo dos anos a acartar uma grande responsabilidade no aumento da pressão arterial e risco de doenças cardiovasculares. Uma dieta que promova o baixo consumo de sal (como a recomendada DASH) deve ser rica em frutas e legumes frescos, cereais integrais, carnes magras, leite e derivados magros, evitando os alimentos processados… Se reparar aqui não estão apenas indicações para uma dieta com baixo teor em sódio, mas também com baixo teor em açúcar.

 

De aparência podem ser confundidos e alguns efeitos no organismo também se assemelham. Sobretudo na capacidade de aumentar a pressão arterial. Uma revisão bibliográfica lançada pelo Jornal Open Heart, relata, inclusive, que o consumo elevado de alimentos com açúcar adicionado (particularmente frutose) parece ter uma relação causal mais forte e direta no aumento da pressão arterial do que o consumo de sal. Este parece ter uma maior capacidade de aumentar a pressão arterial e provocar variações da mesma, aumentar a frequência cardíaca e a necessidade de oxigénio do miocárdio (músculo cardíaco), e contribuir para a inflamação, insulo-resistência e outras disfunções metabólicas.

 

Em 2010, um estudo demonstrou que uma dieta com elevado teor em frutose tem a capacidade de aumentar a pressão arterial em 5 a 7 mm/Hg, valores mais altos do que normalmente se regista relativamente ao sódio (2 a 4 mm/Hg). Assim, para além do conhecido contributo do consumo excessivo de alimentos processados e açucarados no aumento de peso, existe também uma influência ao nível da pressão arterial.

 

O processo de absorção intestinal de monossacáridos (açúcares simples como glucose e galactose) envolve enzimas intestinais (GLUT1 e GLUT2), as quais requerem, para o seu funcionamento, iões de sódio e ATP (energia). No caso da frutose (que também é um monossacárido), o processo está facilitado por uma enzima (GLUT5), não havendo recurso a ATP. Esta facilidade de entrada de frutose na corrente sanguínea fica limitada na presença de fibra (como acontece quando comemos uma peça de fruta), uma vez que a digestão é mais demorada, lentificando o processo de absorção intestinal de frutose.

 

Desta forma, é fácil perceber que os alimentos refinados/processados e/ou com adição de açúcar, têm uma maior capacidade de aumentar a glicémia (concentração de glucose/açúcar no sangue) e, consequentemente, através de mecanismos compensatórios, aumentar a pressão arterial (aumentar o volume sanguíneo para diminuir a concentração do mesmo). Não é por acaso que uma das complicações da diabetes é o aumento do risco de ataque cardíaco e enfarte. Um estudo revelou que se uma ingestão de cerca de 25% da energia total diária provier de açúcares adicionados, o risco de doença cardíaca quase triplica, comparativamente com indivíduos em que a ingestão de açúcares adicionados representa menos de 10% das necessidades energéticas diárias.

 

Assim sendo, será que devemos preocupar-nos exclusivamente com a influência da ingestão de sal nas doenças do coração? E será que este simples cristal é sempre o vilão da história? Em quantidade moderada, o sódio é imprescindível para a manutenção de uma adequada concentração intracelular e, consequentemente, para o funcionamento normal do organismo. No caso de atletas de endurance e ultraendurance, o sódio acresce em importância, devendo haver suplementação (igual ou superior a 300mg sódio/hora, variando com as necessidades individuais) nos treinos e provas, e podendo mesmo ser necessária na alimentação diária, para garantir a reposição das perdas no suor e ajudar na reposição hídrica. Já o açúcar (glucose) é a principal fonte de energia do organismo. No entanto, devemos ter acesso ao mesmo através dos alimentos que contenham naturalmente açúcar (frutas frescas, cereais integrais, leguminosas, …) e reduzindo ao máximo, ou excluindo mesmo, alimentos aos quais foram adicionados açúcares (como os alimentos processados).

 

Mais uma vez fica a ideia de que a moderação é a chave. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Mesmo que mais cedo ou mais tarde as recomendações atualmente preconizadas possam ser alteradas, para já servem-nos de referência, ficando a lembrança de que o ideal é adotar um estilo de vida saudável, optando por uma alimentação variada, caracterizada pelos alimentos o menos processados possível e evitando os excessos.